• sex. abr 19th, 2024

Projeto leva calor humano a moradores de rua e muda a vida de voluntários em SP

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Projeto Entrega por SP leva sorrisos e calor humano a moradores de rua da capital

A cidade de São Paulo tem 15.905 moradores em situação de rua, segundo último censo da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), divulgado em 2015 pela prefeitura. Invisíveis à sociedade, as pessoas que vivem nas ruas costumam ser lembradas apenas no inverno, quando ganham as capas de jornais com casos de mortes por hipotermia e doenças causadas pelo frio, motivando campanhas de arrecadação de agasalhos e cobertores. Só neste ano, cinco foram vítimas no mês de junho, quando as temperaturas baixaram bastante na capital paulista.

Na contramão dessa tendência de assistência momentânea, o projeto Entrega por SP leva, além de itens de necessidade básica, sorrisos, carinho e calor humano para cada um dos moradores que cruzam o caminho dos voluntários, durante o ano todo.

A ação, que hoje conta com mais de 150 voluntários, dez coordenadores e doações de todos os cantos do país, começou exatamente no inverno. Lucas Caldeira, fundador do Entrega por SP, acordou com frio em uma noite de julho de 2013, quando pegou um cobertor para tentar se aquecer. Na manhã seguinte, questionado pela mãe, ele estranhou aquela sensação.

“A janela estava fechada, a porta também, eu já tinha uma coberta. Na mesma manhã, eu abri o jornal e vi a notícia de mortes por conta das baixas temperaturas. Na hora eu pensei em conversar com os sobreviventes e minha mãe me incentivou com 30 cobertores. Nas redes sociais, eu falei para amigos que eu faria a ação e, em três dias, tínhamos mais de cem cobertores. Foram sete amigos comigo e tudo começou”, explica.

Hoje, a ação se reúne de uma a duas vezes por mês, sempre às terças-feiras, às 20h. O ponto de encontro é a Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu. Lá, centenas de pessoas que nunca se viram na vida trocam experiências, solidariedade e colocam a mão na massa para separar doações e kits (com um sanduíche, um pacote de bolacha, água, preservativos, sabonete, meia, pasta e escova de dentes). O BOL acompanhou uma noite ao lado dos voluntários em uma das nove rotas criadas pelo grupo. Foram cerca de sete horas – do início da organização até a entrega dos kits e conversa com moradores.

Somos todos iguais

Jovem ouve as histórias de morador de rua em São Paulo

“Boa noite, qual seu nome?”, diz uma das voluntárias a um morador. Segundo Luiz Felipe Fogaça, um dos coordenadores do projeto, tratar as pessoas pelo nome e respeitá-las sem fazer julgamentos faz do Entrega por SP uma ação diferente. “A ideia é promover diálogo com quem está na rua, uma convivência amigável. O ideal é conhecer a história da pessoa para quem você dá o kit”, afirma.

Vivendo nas ruas, Fábio é pai de trigêmeas e fala orgulhoso das meninas, de 12 anos, que estão todas no colégio. “No fim de semana eu fui à festa junina delas. Uma já está até namorando, fiquei com ciúme”. Morador da zona norte da capital, pegou um tênis entre os itens oferecidos pelos voluntários, vestiu as meias e separou o lanche para comer mais tarde.

Na avenida Cruzeiro do Sul havia grupos grandes – verdadeiras famílias construídas na rua – vivendo em comunidade. Casais com filhos, cachorro e muita história para contar. Rafael, de 34 anos, não desgruda da Neguinha, sua vira-lata e amiga. É só ouvir o assobio do dono que ela corre até ele. “Olha aqui, Neguinha! Ganhamos bolacha, mais tarde tem ‘lanchinho’ para nós”, diz o morador, que logo segue até a sua “maloca”, como eles dizem, e leva as doações para a mulher, Gabriela, de 29 anos.

Grávidas, Ana Cláudia e Elizabete vão ter meninos em breve. Ana, aos oito meses de gestação, anda ansiosa com a chegada do primeiro filho. “Fiz todo o pré-natal, agora falta só quatro semanas para eu ver meu filhinho”, revela. Elizabete, que descobriu a gravidez recentemente, quase aos sete meses, também se mostra animada com a chegada do menino, independentemente das dificuldades da rua. “O importante é que ele vai estar comigo”, afirma.

Aos 35 anos, Gilson, outro morador que cruzou o caminho dos voluntários, fica emocionado com tanta gente jovem ajudando, abraçando-o e ouvindo cada uma de suas histórias. Com os olhos marejados, ele conta sobre os bicos que faz e sobre o sonho de voltar para a Bahia, sua terra natal. Na hora de dizer tchau, ele se emociona ainda mais: “Obrigado. Eu não tenho como agradecer”.

Vidas modificadas

Um projeto como este, que sai às ruas para levar sorrisos, toca o coração não apenas de quem é ajudado, mas também de quem se mobilizou para que a ação saísse do papel. “O potencial do Entrega por SP, mais que mudar as noites das pessoas, modifica o olhar de cada um de nós com a rua. É uma corrente do bem”, afirma Marcela Branco, uma das coordenadoras do projeto.

O BOL ouviu histórias de quem participa, sacrifica horas de sono e se envolve com cada amigo novo que faz na rua. Um dos lemas que a ação carrega a cada terça-feira – debaixo de frio, calor, chuva ou tempo seco – vem de um poema de Bráulio Bessa: “…basta tu compreender que, quando se ajuda alguém, o ajudado é você”.

VF Fotografia/Entrega por SP

Carlão, 47, é corretor de seguros

CARLÃO
Corretor de seguros de 47 anos, Carlos Machado, mais conhecido como Carlão, estava longe das drogas havia seis meses quando descobriu o projeto. Mais do que entender a essência de cada visita, ele – que, embora nunca tivesse morado na rua, já havia passado dias e noites lá – se identificava, e se identifica, com cada história encontrada nas noites de São Paulo.

“Na primeira vez, eu vim sozinho. Eram 4h quando eu cheguei em casa, entrei no quarto, vi minha esposa e meu filho dormindo, peguei algo para comer, sentei no chão e me toquei: eu tenho a opção de sentar no chão”, revela, emocionado.

Hoje, há mais de dois anos sem recaídas, ele explica que esta entrega trouxe para ele muito amor. “Eu brinco muito que o projeto devia ser Receba por SP. Tem dias que eu estou cansado, mas, se eu não vier, não dá, eu sinto um vazio”.

VF Fotografia/Entrega por SP

Ton tem 26 anos e atua como psicólogo

TON
O psicólogo Everton Oliveira, o Ton, de 26 anos, sempre quis trabalhar com moradores de rua. “Quando me receberam, senti que era a primeira vez que me viram de forma igual. Não teve excesso de cuidado”, explica o voluntário, que tem deficiência visual. Segundo ele, o momento mais especial em sua jornada ao lado do projeto foi quando ele ouviu de um morador: “Obrigado por existir”.

Com a voz embargada, Ton ainda contou a história de outro morador que fez nas ruas e que, com os poucos trocados que ganhava na venda de material reciclável, colocou uma foto dele com o psicólogo em um porta-retratos para dar de presente ao amigo.

“Se a minha deficiência me ajuda em algo, eu acho que é o fato de eu não ter julgamento dessas pessoas. Talvez eu me identifique tanto com o projeto porque, assim como os moradores de rua, eu me sinta sendo visto pela sociedade de uma forma pouco igualitária”.

VF Fotografia/Entrega por SP

Bruno é empresário e tem 29 anos

BRUNO
Bruno Saraiva, de 29 anos, não enxergava Jonas Manuel, de 52 anos, antes de entrar para o Entrega por SP. A mudança de ponto de vista fez com que Bruno, além de servir de inspiração para o morador de rua, ganhasse um amigo que sempre está presente na sua rota diária de casa até o trabalho.

“Eu o conheci com dois meses de projeto. De lá para cá, Jonas parou com as drogas, virou amigo da minha empresa, da minha família, comprou um carro e busca se estabilizar para reencontrar a família. Ele descobriu que tem até uma netinha e está louco para vê-la”, conta.

“Um caso como este me deixa com a sensação de deve cumprido, de saber que a gente pode se entregar todo dia um pouquinho por um mundo melhor”, completa.

VF Fotografia/Entrega por SP

Banana, 43, é representante comercial

BANANA
Ronaldo Lameira, o Banana, tem 43 anos e é representante comercial e professor de História. Desde o início no projeto, quando ainda havia poucos integrantes, ele não tira da cabeça a primeira ação que fez, em 2013. “A gente foi para o Minhocão e, quando eu voltei para casa, fiquei muito emocionado, a única coisa que eu pensei foi em agradecer e parar de reclamar de coisas pequenas”, revela.

Nas ruas, ele encontrou todo tipo de histórias, mas uma delas mudou sua perspectiva de vida. “Um jovem estava em frente ao Metrô Marechal Deodoro, na zona oeste, e me disse que tinha vindo de Curitiba (PR) a pé, e que estava em São Paulo havia cinco meses, sem dar notícia à mãe. Na hora veio a minha na cabeça. Com a ajuda de um celular, a encontramos, ele mandou uma mensagem e deixou meu contato. Dias depois, ela me procurou, emocionada, e disse que gostaria de ter o filho perto novamente. Conversei com ele, e logo providenciamos a passagem. Foi a primeira vez que ele andou de metrô em cinco meses de rua, e era um dos seus maiores sonhos. Quando chegou em casa, dois dias antes do Dia das Mães, reencontrou a família e deixou de vez as ruas”.

VF Fotografia/Entrega por SP

Marcela tem 27 anos e é jornalista

MARCELA
Marcela Branco, jornalista de 27 anos, lembra que, quando entrou no projeto, estava em uma fase negativa e resolveu buscar, no Entrega por SP, uma oportunidade de ajudar e ser ajudada.

Com o tempo, ela fez amigos e deixou preconceitos para trás. “Conheci um morador e conversei com ele umas duas vezes no projeto. Cerca de oito meses depois, ele me viu na rua e logo gritou meu nome. Foi aí que eu percebi que a gente ganha muito mais”, afirma.

Segundo ela, é importante lembrar que as pessoas precisam ser respeitadas e notadas o ano inteiro, não só em datas especiais e nos momentos de frio. “Hoje o projeto conta com muitas doações, e isso é muito relevante. Mas precisamos continuar com a conversa e a ajuda a essas pessoas durante todo o ano”, finaliza.

Serviço:
Quer ser um voluntário? Basta ter 18 anos e aparecer no ponto de encontro nos dias das ações
Quando ocorrem as ações? As saídas acontecem de uma a duas vezes por mês, às terças-feiras, a partir das 20h – acompanhe a programação pelo Facebook
Onde fica? Os encontros ocorrem na Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo

Fonte: http://noticias.bol.uol.com.br/

 

 

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