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Aprovada em mestrado na Suíça, tataraneta de escrava ressalta luta por educação: ‘Mérito dos meus antepassados’

jun 19, 2017
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Tataravó de Mariana, de Campinas, foi escravizada até os 29 anos, e dedicou o restante da vida para que as futuras gerações tivessem acesso ao ensino.

A história da família da jornalista Mariana Alves Tavares, de Campinas (SP), pode se resumir à palavra educação. Filha de um vendedor e uma recepcionista, neta de professor, bisneta de funcionária pública e tataraneta de escrava, a jovem, de 24 anos, foi aprovada para o mestrado em antropologia e sociologia do desenvolvimento em universidade de Genebra, na Suíça, e será a primeira geração a sair do Brasil para estudar e contar a história da família.

A jovem trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU), em Brasília (DF), e já esteve em Genebra para dividir experiências com afrodescendentes de diferentes países. Com toda a bagagem e o que ainda está por vir, Mariana diz que a intenção é olhar para o Brasil de forma a entender por que questões raciais ainda interferem na evolução do país.

“Não dá para desenvolver um país desenvolvendo uma parcela pequena da sociedade, quando a maioria populacional é considerada minoria em acesso aos direitos”, afirma.

Sua tataravó, Sebastiana Sylvestre Correa, nasceu em 1859, em Minas Gerais. Ela foi escravizada até os 29 anos, quando a Lei Áurea a alforriou em 1888. Mãe de oito filhos, Sebastiana nunca aprendeu a ler ou escrever, mas lutou para que suas futuras gerações tivessem acesso à educação.

“A minha bisavó e as irmãs dela ganharam bolsas de estudos e conseguiram estudar. Ela [tataravó] tem um nome, um sobrenome. Ela foi muito mais do que isso, não apenas uma ex-escrava”, exalta Mariana.

Campanha para a viagem

Com duração de dois anos, o mestrado no Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais (Graduate Institute of International and Development Studies, em inglês), previsto para começar em setembro, tem um valor aproximado de R$ 13,5 mil por semestre. Mariana recebeu bolsa de 75% para a mensalidade [leia mais abaixo], além de auxílio integral dos custos de vida na Suíça.

A família da jovem não consegue bancar as despesas restantes, que seriam em torno de R$ 10 mil para o primeiro ano de estudos. Ela criou, então, a campanha “Mestrado da Mariana no Graduate Institute” em uma plataforma de financiamento coletivo, onde já superou o valor pedido para bancar, além das taxas da universidade, uma passagem só de ida à Genebra.

“O valor que eu ganhar a mais vai cobrir essa diferença de câmbio, e também vai me ajudar a ter um dinheiro emergencial, porque o valor que eu coloquei não me dá nenhuma margem de erro”, explica.

Estágio na ONU

Antes de chegar ao mestrado na Suíça, no último ano do curso de jornalismo na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru (SP), a então estudante foi aprovada em um estágio no Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids) em uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU), em Brasília, e se mudou para o Distrito Federal.

Neste período, faltando um semestre para a conclusão da faculdade, ela precisou conciliar o trabalho na capital do país com os últimos projetos universitários, além do tempo dedicado à venda de semijoias para complementar a renda.

“Eu sabia que a condição financeira da minha família de arcar com os custos de viver em Brasília, que é uma das cidades mais caras do país, seria algo complicado […] Foi um esforço [vender joias], mas que não atrapalhava a minha dedicação no estágio, que era algo que eu levava como uma oportunidade para a minha família”, relembra Mariana.

No fim de 2015, a jornalista recém-formada foi contratada por outra agência da ONU em Brasília, onde trabalhou por cerca de mais um ano.

Experiência na Suíça

No período que viveu em Brasília, Mariana se inscreveu para o Fellowship for People of African Descent, programa da ONU que oferece aos participantes a oportunidade de fazer uma apresentação sobre questões como direitos civis, políticos e sociais de pessoas afrodescendentes de seus respectivos países.

Aprovada, surgiu assim a primeira oportunidade de Mariana visitar a Suíça, em novembro do ano passado.

“Era uma apresentação aberta na sede da ONU para todos os funcionários das Nações Unidas. Essa pressão de falar sobre um tema envolvendo algo sobre o seu país, além de tudo em inglês, era uma coisa que me trazia muito medo, porque era um peso muito grande”, relembra.

Orgulho

A maneira que ela encontrou para encarar a apresentação foi contando a trajetória de sua família.

Da mesma maneira, em duas cartas, ela contou sua história para ingressar na Graduate e conseguir as bolsas para se manter na Suíça.

“Em uma delas eu falei sobre a minha experiência na ONU e por que eu queria fazer o mestrado no Graduate com foco em antropologia e sociologia do desenvolvimento. Na outra carta eu tinha que falar por que eu precisava de apoio financeiro da universidade, e foi nessa que eu contei a história da trajetória da minha família e do por que eu estava tendo essa oportunidade que eu sonho em ter”, conta.

Fonte: G1

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