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Empresários transformam espaço embaixo de viaduto de SP em complexo esportivo e cultural

fev 11, 2020
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Klaus Pian e Moisés Batista de Souza, o Gibi, utilizam economia criativa para mudar o entorno de região degradada na Bela Vista.

De terreno baldio, frequentado por usuários e traficantes de drogas, depósito de entulhos e moradia de sem-teto a um centro de treinamento de artes marciais, espaço de convivência da vizinhança e, agora, também sede de um projeto de economia criativa, o Mundo Criativoliderado por Beto Lago e que será lançado em parceria com o AVida no Centro.

Este é o Complexo #9, um centro cultural e esportivo que ocupa um espaço de 7 mil metros quadrados embaixo do Viaduto Júlio de Mesquita Filho, entre a Avenida 9 de Julho, a Rua Santo Antônio e a Rua João Passalaqua. E, de quebra, está ajudando a dar nova vida a uma região degradada, que vai se transformar num novo espaço público de convivência na Bela Vista.

O projeto nasceu do sonho do lutador de muay thai Moisés Batista de Souza, o Gibi, tetracampeão mundial da categoria, que em 2004 montou sua academia na Rua Martinho Prado e da janela via o movimento embaixo do viaduto. O local foi utilizado como um posto de atendimento de saúde e, quando essa atividade cessou, ocupado por sem-teto.

Era essa a situação quando, em parceria com o empresário Klaus Pian, Gibi fez um projeto e pleiteou à Prefeitura o direito de administrar a área. Em 2017, quando ganharam a concessão, tiveram que negociar com os moradores que haviam ocupado a área. Até que, depois de um ano de reforma, abriram o espaço em setembro de 2019, com a presença do prefeito Bruno Covas– que no fim do ano passado anunciou um programa de concessão ao setor privado de dezenas de viadutos em toda a cidade.

Propósitos

Nesse período, os dois empresários investiram cerca de R$ 140 mil em recursos próprios e calculam que o investimento total ficou em torno de R$ 1,5 milhão, com a doação de outros empresários. Um doou um octógono, outro o tatame, outro ofereceu o paisagismo. E assim, com a ajuda de amigos o lugar se transformou num local que oferece uma nova perspectiva de vida a crianças e jovens que não podem pagar por aulas particulares — e assim também transforma o entorno.

“O meu intuito era ajudar quem não pode pagar para ter uma academia, uma atividade física, ter uma qualidade boa de saúde”, diz Gibi em entrevista ao A Vida no Centro.

“Eu trabalho na noite há 20 anos e estava cansado, queria fazer uma coisa que tivesse um objetivo que não fosse só ganhar dinheiro”, diz Klaus sobre o que o motivou a abraçar o projeto.

Além disso, Klaus espera transformar não apenas a vida dos alunos mas também as relações da vizinhança com o espaço. “De uma certa forma é como jogar uma pedrinha na água. Ela cai num ponto e ela ecoa”, afirma.

O Complexo #9 tem 200 alunos, adultos e crianças, e aulas de muay thai, jiu jitsu, boxe, taekwondo, dança e exercícios para terceira idade. Para este ano, a meta é ampliar o número de alunos para 500, tornando o lugar autossustentável e cobrando uma taxa de manutenção de R$ 30,00 de quem pode pagar. E com isso pagar os professores, que no primeiro ano eram todos voluntários, além de fazer acordos com faculdades para que os alunos usem o local para estágio.

Além das artes marciais, querem oferecer também aulas de teatro e de inglês. Durante o ano, as obras continuam, na parte externa do Complexo #9, num espaço que em breve deverá abrigar cursos, palestras e aulas de teatro.

Sede do Mercado Mundo Criativo

A partir do dia 9 de fevereiro, será instalado no local o Mercado Mundo Criativo, um espaço de empreendedorismo e economia criativa, com artesanato, gastronomia e um festival de rock. O curador e idealizador do Mundo Criativo é Beto Lago, produtor que nos anos 1990 criou o Mercado Mundo Mix, precursor das feirinhas de produtores que viraram tendências nas décadas seguintes. O A Vida no Centro é parceiro do projeto e terá um espaço no local para receber e conversar com empreendedores e moradores do Centro.

Leia a seguir a entrevista com Gibi e Klaus Pian, criadores do Complexo #9:

A Vida no Centro: Como começou a ideia do Complexo #9?

Gibi:  Eu cheguei aqui na região em 2004, com a academia, e da janela eu conseguia ver este espaço, que era muito abandonado, muito largado. Tinha morador de rua, o tempo todo o pessoal usando drogas, assaltando na rua. Aí eu pensei em fazer um complexo esportivo. Fizemos o projeto, mandamos para a Prefeitura, eu tinha alguns contatos políticos, mas engavetaram e deixaram pra lá. Há dois anos, o espaço estava vazio, falei com o Klaus, começamos a pensar em retomamos o projeto de um complexo esportivo. Conseguimos fazer uma licitação na prefeitura. Eles abriram o edital, fizemos a documentação, o nosso projeto foi aceito e aí começamos.

Vocês provocaram a concorrência ou eles que abriram?

Klaus: Nós provocamos. Já existia um interesse nosso de ocupar embaixo do viaduto. Viaduto sempre foi considerado em São Paulo como última opção, inclusive para o ser humano. Quando a gente era criança, sempre tinha um bordão que os pais falavam pra gente: se você não estudar, você vai acabar embaixo do viaduto. Tinha essa ameaça. E a gente queria questionar isso. Primeiro que o local era lindo. E em outros países esses espaços são usados. O Gibi mora fora do País e já tinha visto isso; em Tóquio tem coworkings, tem coisas deslumbrantes debaixo de viadutos. Vendo tudo isso, pensamos: por que não sermos os pioneiros em transformar o viaduto em alguma coisa diferente aqui em São Paulo? A própria Prefeitura sempre fala que a maior dificuldade é que as pessoas quando propõem alguma coisa geralmente escrevem no máximo uma folha, não explicam direito. Nós chamamos um arquiteto, Nelson Presbiter, que doou o trabalho dele, e fez um projeto completo. Quando eles viram o nosso projeto acharam que valia a pena apostar. E aí nós demos entrada sem político, sem ajuda de ninguém. Teve uma pessoa do Jurídico da Prefeitura que foi fundamental neste processo, que nos ajudou a ajustar o projeto de acordo com a lei. Quando estava tudo certinho levamos para a aprovação dos órgãos. Foi para a CET, foi para o Urbanismo, para o setor que cuida dos viadutos. Levou um ano para ser aprovado. E foi aprovado no fim de 2018.

E o que moveu vocês a montar esse espaço?

Gibi: No meu caso, eu percebo que a arte marcial tirar muita gente da rua. Geralmente a molecada que estuda de manhã e tem tempo vago durante o dia, eu quero trazer pra cá. Eu sei que ensinando ele a lutar, ele pode não ser um campeão, mas vai ser um grande homem. O meu intuito era ajudar quem não pode pagar para ter uma academia, uma atividade física, ter uma qualidade boa de saúde.

Klaus: Eu vejo num projeto desses uma coisa um pouquinho maior. Somado ao que o Gibi disse de artes marciais, eu vejo que existir esse lugar serve para pessoas como vocês também, ou os vizinhos, todo mundo, ver que é possível com muito, muito pouco, modificar o entorno em que você vive. Uma mãe outro dia veio aqui agradecer porque agora para buscar o filho no colégio ela passa por um lugar iluminado. De uma certa forma é como jogar uma pedrinha na água. Provocar as pessoas a fazer alguma coisa. Acho que isso aqui é um tapa na cara de cada um de nós.

E provocar para que mais gente venha fazer junto e transforme a região?

Klaus: Nós mesmos quando começamos não pensamos que ia ficar assim. Esse octógono a gente ganhou, o tatame uma pessoa doou, os sacos um outro amigo, a iluminação um amigo doou. À medida que as pessoas veem e se emocionam, a gente percebe que esse tapa está acontecendo. E a gente percebe que se alguém começa, as pessoas vão atrás. Queremos mostrar que pode ser diferente. Não adianta eu ficar dizendo que tem insegurança, que tem assalto, que tem isso, se eu não der um passo para mudar tudo isso. Acho que isto aqui é exatamente isto: a possibilidade de mudar.

Gibi: Começamos a ver isso com alguns empresários. A pessoa vem aqui, vê, fala que quer ajudar. Mas também tem gente que diz que vai ajudar e aí desiste.

Klaus: De um modo geral as pessoas querem ajudar. Mas tem também pessoas que não. Tem vizinhos que jogam o lixo na frente e, quando a gente pede pra não jogar, a pessoa diz que sempre jogou e vai continuar fazendo. É um trabalho difícil. E vai levar algum tempo para que as pessoas do entorno também incorporem isso. 

Qual foi o investimento até agora?

Klaus: Nós já investimos mais de R$ 140 mil no projeto. Mas o valor total estimado para o projeto era de R$ 1,5 milhão. Acho que já gastamos esse dinheiro, mas ele chegou através de doações. Eu acho que no total vai chegar a mais de R$ 2 milhões. A construtora Magik, que vai construir aqui do lado, também doou. Estamos contando com várias pessoas e empresas que estão interessadas. Estamos tentando atrair grafiteiros de renome. Tudo na base da ajuda de amigos queridos.

Agora a gente quer abrir o espaço para gerar receita para pagar água, luz, cobrar uma contribuição das pessoas para que seja autossustentável. E com o Mercado Mundo Criativo e uma lanchonete que será construída na entrada, vamos ter mais uma atividade. A ideia é ter o espaço aberto, monitorado, para que as pessoas possam vir e usar. Já temos um projeto para coletar a água, para usar para molhar as plantas. Tem muita coisa para ser feita. Mas tudo passa pelo caminho do dinheiro. E aí você tem que buscar no governo, ou no privado, que também é difícil, porque até a doação é complicada, cheia de limitações.

E agora quais são os próximos passos?

Klaus: O projeto todo tem quase 7 mil metros quadrados e 3 fases. Fase 1 é entre a 9 de julho e a Rua Santo Antonio, que já está pronto e é a área esportiva. A fase 2 é a praça, que é uma área pública, de convivência, entre a rua Santo Antônio e a João Passalaqua. A ideia é ter wifi gratuito, vai ter uma lanchonete, aulas recreativas, um parquinho infantil, uma pista de caminhada, e é uma área aberta que vai ficar entre 6h e 22h aberta, depois vai ter o portão fechado. Como uma praça de convivência, mas com horário limitado.

Atravessando a rua tem um outro pedaço, onde vamos fazer uma sala de uns 300 m2, uma sala multiuso, onde as pessoas vão poder fazer leitura de peça de teatro, roda de pagode. Vai ter um pequeno palco, banheiro e uma sala gigante multiuso. Vai ter desde palestra educativa para educação sexual de adolescentes, acolhimento de LGBT. Essa sala é para isso, para essas discussões polêmicas. Queremos tudo pronto até o fim deste ano.

Fonte: Huffpost Brasil


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