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Há dez anos, Cesar Cielo batia recorde histórico nos 50m livre: “Eu fiquei louco naquele momento”

dez 18, 2019
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Velocista cravou a marca de 20s91, que nesta quarta-feira completa uma década em vigor

Às cinco da manhã, ele desistiu. Havia virado e revirado os lençóis da cama, feito exercícios para atrair o sono, encarado o teto e revisto provas em sua mente. Nada funcionou. Cesar Cielo levantou-se e procurou o computador, onde começou a rever provas, uma atrás da outra, como se sua vida dependesse daquilo. Assistiu à conquista do ouro olímpico em Pequim 2008, aos títulos mundiais em Roma 2009 e até a vitórias no circuito universitário americano (NCAA).

Em dado momento, ouviu a maçaneta de seu quarto abrir. Sua mãe, Flavia, logo o interpelou.

Cesar Cielo. Campeonato Mundial FINA em Piscina Curta no Hamad Aquatic Centre. 07 de dezembro de 2014, Doha, Catar. Foto: Satiro Sodre/SSPress

– O quê que você está fazendo? São quinze para as seis da manhã, Cesão – disse ela.

O velocista mal a escutou. Então já campeão olímpico e mundial dos 50m livre – e recordista e campeão mundial dos 100m livre -, Cielo estava inseguro. Tinha dali a poucas horas a última tentativa de obter aquele que era um de seus maiores objetivos de vida: ser recordista mundial da prova mais rápida da natação internacional. Naquele 18 de dezembro de 2009, ele disputaria a final dos 50m do Torneio Open, na piscina do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo.

Seria sua última prova na temporada mais vitoriosa de sua carreira. E a última que disputaria com os trajes tecnológicos de poliuretano que auxiliavam na flutuação e na compressão do corpo dos nadadores.

– Preciso ver o que eu vou fazer hoje de manhã. É agora ou nunca – respondeu à mãe, sem olhar para ela.

A urgência tinha razão de ser. Cielo detinha, na época, todos os motivos para ser o aclamado o maior velocista do mundo. Ou melhor, quase todos: faltava o recorde dos 50m, que estava em poder do francês Frédérick Bousquet (20s94). E essa falta o consumia.

Em dado momento, parecia que o recorde não sairia. Quando ganhou o ouro em Pequim, sua marca de 21s30 ficou apenas 0s02 aquém do primado, que pertencia ao australiano Eamon Sullivan. No ano seguinte, Cielo foi progressivamente melhorando seu melhor tempo (primeiro 21s14, depois 21s08), mas irremediavelmente um adversário era mais rápido.

Essa sensação de que o título de homem mais rápido da natação mundial sempre lhe escapava permeou os pensamentos do paulista naquelas horas iniciais daquele 18 de dezembro.

– Eu ficava pensando. Era a última chance, a última competição do ano e eu estava em uma fase muito boa. E eu não sabia o quanto aquilo ia durar. Então era melhor eu aproveitar o máximo que dá agora. Eu não sabia se surfaria nessa onda dali a seis meses – afirmou o nadador, em entrevista ao GloboEsporte.com.

Os acontecimentos dos dias anteriores no Torneio Open ajudaram a aumentar a angústia. Cielo foi muito bem nas eliminatórias dos 100m livre. Marcou 47s13, um dos melhores tempos da história. Criou até a expectativa de que poderia reduzir seu recorde mundial, de 46s91, que estava em seu poder desde julho. Surpreendentemente, porém, abriu mão da final da prova.

Ele e seus dois treinadores de então, Brett Hawke e Alberto Pinto da Silva, entraram em consenso de que mais valia se poupar para os 50m livre, cujas eliminatórias ocorreriam no dia 17 de dezembro. E nas séries qualificatórias Cielo estava no melhor de sua forma.

– Eu tenho certeza que aquele dia à tarde eu já bateria o recorde – recordou.

Um acaso fez com que ele novamente batesse na trave. Ainda na sala de chamada, o traje de um dos nadadores de sua série eliminatória rasgou quase por completo. Foi preciso esperar mais de 15 minutos até que ele conseguisse trocar a peça. A longa espera tirou-lhe o ímpeto. Cielo venceu sua série com a marca de 21s02, simplesmente a segunda melhor de toda a história, mas 0s08 mais lenta que a marca de Bousquet.

– Eu bati 21s02 e ouvi um “uhhhh” vindo da arquibancada. Aquela lamentação. Não deu – comentou.

O velocista também se contaminou com aqueles lamentos até desistir do sono e pegar o computador naquela madrugada. As horas seguintes transcorreram como um borrão. Cielo lembra-se ter sido um dos primeiros a chegar à piscina do Pinheiros. Além da privação de sono, pesavam a ansiedade e a pressão para fazer um bom resultado em uma condição que não achava ideal.

A final dos 50m seria disputada ainda pela manhã, hora que a maioria dos nadadores considera ruim – dez entre dez preferem competir no horário da tarde. O velocista teve um alento quando viu que Hawke, seu treinador australiano, chegara ao Pinheiros. Mas um alento breve…

– Quando eu fiz a primeira saída [no aquecimento], eu senti que foi bem ruim. Havia coisas que eu falava com o Brett e só no olhar e no gesto corporal nos entendíamos. Ele olhou pra mim e falou: “Vamos fazer mais uma?” [risos]. No que eu falei: “Vamos fazer mais uma”. E a segunda saída foi igual [risos]. Lembro que nos olhamos e falamos: “É agora ou nunca” – disse.

Era a hora. Ao ouvir seu nome no alto-falante, Cielo encaminhou-se para a raia 4, designada para o mais rápido nas eliminatórias. Nos lados, um rival do passado (Nicholas Santos, na raia 5) e outro do futuro (Bruno Fratus, na raia 3). Enquanto esperava a apresentação dos outros adversários, estapeou o peito e os braços, como de costume, e apoiou a perna esquerda acima do bloco de partida.

Todos os oito finalistas se alinharam às suas marcas e esperaram soar o alarme. Dada a largada.

A uma reação de 0s69, Cielo enfileirou 33 braçadas e exibiu uma velocidade média que variou de 7,8km/h até o pico de 9,5km/h, a maior de toda sua carreira. O campeão olímpico bateu na parede em 20s91, três centésimos mais rápido do que a marca anterior de Bousquet. Ele, enfim, era recordista mundial de sua prova preferida.

– Emocionalmente dizendo, eu acho que o momento mais marcante da minha carreira. Eu escutei um: “Ooooowwwwww!” E eu falei assim: “Gente do céu, o quê que está acontecendo aqui?” [risos]. Foi a primeira vez que eu escutei assim, antes de tudo. Eu bati, eu tirei a cabeça, a galera já estava gritando super alto. E aí eu fiquei louco também, já saí gritando da piscina, todo mundo muito louco – contou ele, que previa um tempo na casa de 20s7 no dia.

Cielo chegou quase um segundo – uma eternidade – à frente de Nicholas Santos (21s80) e Fratus (21s81). A marca era tão forte que permanece até os dias atuais, dez anos depois. No final de fevereiro, o tempo de 20s91 será o mais duradouro recorde nos 50m livre em todos os tempos, desbancando os 21s81 do norte-americano Tom Jager que duraram de 1990 a 2000.

Engana-se, porém, quem acha que Cielo ficou plenamente satisfeito com a façanha.

– Eu tenho um olhar muito crítico das minhas provas, né? Eu não gostei da minha primeira braçada e da transição que fiz. No aquecimento, já não tava encaixando. Mas o final de prova foi muito bom. Isso é uma coisa que eu gosto de rever aqui – brincou.

Os números vêm à mente assim que ele começa a recordar da prova, mesmo dez anos depois: assim largou, ele fez quatro ondulações e teve nos últimos 15m uma manutenção de velocidade que ainda hoje não se vê – desde 2009, quem mais se aproximou dos 20s91 de Cielo foi o norte-americano Caeleb Dressel, que cravou 21s04 no Mundial de Gwangju, em julho de 2019.

– Eu tive o ano da minha vida naquele ano. Então, assim, tudo funcionou, tudo deu certo, tudo que eu fiz, eu tava no melhor da minha fase – afirmou.

Por ora, ele desconversa sobre uma tentativa de ir aos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. Cielo disse que vai usar o recesso do final de ano para refletir e pensar se ainda terá vontade de passar por sacrifícios para buscar um novo pódio.

– Eu acredito de verdade que, se eu botar a cabeça pra treinar de verdade, eu não vejo por que eu não me classificaria nos 50m livre. Então, no final das contas, é uma decisão que eu tenho que tomar. Esse Natal vai ser de muita reflexão. Vamos ver o que a virada do ano reserva para a gente – concluiu.

Fonte: GE

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