Cultura

Refugiados dão aulas de idiomas em São Paulo e no Rio de Janeiro

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Capacitados e contratados por uma ONG, eles compartilham, além de suas línguas, suas culturas.

Por: Adriana Brandão

Em 2017, o deslocamento forçado bateu recorde no mundo: 68,5 milhões de pessoas terminaram o ano fora de suas casas por motivos como guerras, conflitos e perseguições. Esse número envolve refugiados, solicitantes de refúgio, deslocados internos (quando a pessoa foge para um lugar dentro do próprio país) e apátridas. O dado é do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

No Brasil, até o fim de 2017, foram reconhecidos 10.145 refugiados de diversas nacionalidades. Destes, 39% são sírios. E os estados com mais refugiados são São Paulo e Rio de Janeiro, segundo a 3ª edição do relatório Refúgio em Números, do Ministério da Justiça.

Vendo a situação dos refugiados nos últimos anos, a ONG Atados decidiu dar início a uma iniciativa que acabou virando uma organização independente: a Abraço Cultural. A organização capacita refugiados para atuarem como professores de idiomas e contrata esses mesmos profissionais para ensinarem sua língua e sua cultura.

A escola de idiomas teve início na cidade de São Paulo, em 2015, e chegou ao Rio de Janeiro em 2016. Mas a ideia surgiu ainda em 2014, durante a Copa dos Refugiados, organizada pela ONG Atados.

Atados é uma plataforma social online que conecta pessoas interessadas em fazer voluntariado e organizações sem fins lucrativos que precisam de voluntários. A entidade apoia e divide espaço com o projeto Abraço Cultural nas unidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Seleção dos refugiados

O processo de seleção é realizado anualmente e envolve análise de currículos, entrevista e capacitação. O processo dura de dois a três meses. “Na capacitação, é trabalhada a metodologia do Abraço Cultural, a atuação da política brasileira nas questões de refúgio, e assuntos relacionados a mercado de trabalho”, explica Mateus Lima Oliveira, assistente de projetos no Abraço Cultural.

Uma vez selecionado, o profissional pode permanecer por tempo indeterminado atuando como professor do projeto.

Os professores são cadastrados como Microempreendedores Individuais (MEI) e são contratados formalmente como pessoas jurídicas. Desta forma, eles pagam impostos. Cada professor consegue uma renda diferente com base no número de aulas que ministra por mês. “Já foi gerado mais de R$ 1,5 milhão em renda para os professores do projeto”, conta Mateus Oliveira.

A seguir, veja as histórias de refugiados que atualmente trabalham como professores de idiomas no Abraço Cultural.

“Vim para o Brasil para mudar as coisas na minha vida”.

 Joly Kayembe, 38 anos, congolesa.

Joly Kayembe é professora de francês no projeto Abraço Cultural, em São Paulo. A congolesa conheceu o projeto de integração de imigrantes por meio do Centro de Acolhimento a Refugiados, da Cáritas Brasileira, organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Joly já trabalhava na área de educação em seu país de origem, na República Democrática do Congo. Ela chegou ao Brasil em 2016, ano em que manifestações contra o atraso das eleições presidenciais tomaram as ruas do Congo. Até então, os conflitos entre grupos rebeldes que operam na região e a aliança entre o Exército e as tropas da Missão da ONU (Monuscu) já tinham causado 1.116 mortes. No mesmo período (2014 – maio de 2016), 1.470 pessoas foram sequestradas e mais de mil casas incendiadas, segundo informações prestadas por ONGs que atuam no local.

A professora não planeja voltar a viver no Congo. Ela deseja reunir a família no Brasil. “Gosto muito do Brasil, sinto como se estivesse na minha terra”, diz a congolesa, que pretende aprimorar seus conhecimentos para continuar apoiando o desenvolvimento do Abraço Cultural.

Kayembe relata que não sofreu preconceito por sua nacionalidade ou cor da pele no Brasil, e concorda que o trabalho feito no Abraço Cultural auxilia pessoas a entenderem a cultura e linguagem dos refugiados, o que ajuda a evitar preconceitos.

Vinícius de Pacheco cursa francês, é aluno de Joly e diz que a dinâmica das aulas o ajuda. “Gosto bastante, nem vejo a hora passar”.

A organização completou três anos em julho, e a ideia do projeto já inspirou iniciativas na França e na Espanha, com a mesma proposta de integração de refugiados por meio das aulas de idiomas.

Segundo Mateus Oliveira, mais de 80 refugiados já foram capacitados pela Abraço Cultural e o número de alunos que passaram pelos cursos de idiomas ultrapassa os 2 mil, contando São Paulo e Rio de Janeiro.

“Eu estava em um momento muito difícil quando entraram em contato comigo para começar a dar aulas. Estava sem emprego, sem nenhuma fonte de renda (…)”.

Adel Bakkour, 25 anos, sírio.

Adel Bakkour ministra aulas de árabe há três anos, no Abraço Cultural do Rio de Janeiro. O sírio conheceu o projeto por meio da Cáritas Brasileira. O jovem relata que estava passando por dificuldades financeiras e que o novo trabalho o ajudou muito.

“Além do lado financeiro, o projeto proporcionou uma experiência muito boa. Encontrar os alunos e conviver com os professores de outras nacionalidades fez com que eu aprendesse muito mais do que eu esperava”, conta o professor de árabe.

Segundo Bakkour, ele tinha acabado de ingressar no ensino superior em Química quando teve de deixar seu país. O jovem sírio está no Brasil desde 2012, veio com o irmão mais novo, e contou com a ajuda de uma irmã brasileira, fruto de outro casamento de seu pai.

A guerra da Síria começou em 2011 e, quando Bakkour veio para o Brasil, seu país já vivia uma grave crise humanitária. Até março de 2018, o número de mortos na guerra da Síria ultrapassou os 500 mil, segundo dados do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).

Hoje, Adel Bakkour estuda Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diz que já foi alvo de piadas preconceituosas quanto a sua nacionalidade. Ele atribui os ocorridos à falta de informação de alguns brasileiros. Apesar disso, ele não pretende voltar a morar na Síria.

Mateus Lima, do Abraço Cultural, ressalta que a organização concentra esforços no combate a todo tipo de preconceito. “O Abraço Cultural trabalha para dar protagonismo real à pessoa que está em situação de vulnerabilidade. Quando o imigrante tem voz e a oportunidade de explicar sobre sua cultura e sobre seu idioma, ele quebra muitos preconceitos e tabus sobre a cultura de outros países”.

Como o Abraço Cultural se financia

O Abraço Cultural é uma organização autossustentável: o valor que os alunos pagam para estudar custeia o salário dos professores e da equipe do projeto. A coordenação do projeto em São Paulo é composta por cinco profissionais, entre eles um refugiado sírio. No Rio de Janeiro, são quatro profissionais coordenando o projeto.

A organização trabalha com prestação de serviço e atualmente não recebe doações. O Abraço Cultural realiza dois eventos bimestrais, ‘Happy Hour’ e ‘Aquele Abraço’, em que outros refugiados são convidados para compartilhar seus trabalhos: artesanatos, comidas típicas, espetáculos musicais. Os convidados podem comercializar seus produtos durante o evento. O projeto não lucra com os eventos, que são feitos para gerar renda para os próprios refugiados.

A equipe que gere a instituição busca, ainda, editais. Além disso, empresas contratam o serviço dos professores por meio da organização.

“Ainda não conseguimos pagar o aluguel de um espaço no Rio de Janeiro, então contamos com parceiros que cedem lugar para as atividades do Abraço Cultural”, explica Tatiana Lucas Rodrigues, coordenadora gerencial do Abraço Cultural RJ. Além da parceria com a escola Brasas English Course, o projeto conta com a colaboração do movimento juvenil judaico Habonim Dror RJ.

Mateus Lima conclui dizendo que a equipe da instituição tem buscado aprimorar o projeto, e que a expectativa do Abraço Cultural para os próximos anos é ser uma escola de idiomas de referência no mercado, além de oferecer oportunidade de trabalho para mais refugiados.

A instituição oferece cursos de árabe, espanhol, francês e inglês. Os interessados podem se inscrever nas turmas, ou marcar aulas particulares. Empresas também podem contratar aulas corporativas. Para saber mais sobre matrículas, acesse o site do Abraço Cultural.

Fonte: Observatório do Terceiro Setor

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