Dois meses depois do primeiro encontro, os seis irmãos se mudaram para a casa dos pais adotivos. Estava se iniciando a fase de convivência, que culminaria com a decisão final de adotar ou não.
Mas os laços se formaram rapidamente. “Os pequenos já começaram automaticamente a me chamar de mãe. O mais velho, de 14 anos, demorou duas semanas”, diz Joana.
E como ela e o marido fazem para administrar uma casa com tanta gente?
Joana diz que cada um tem sua tarefa, como cuidar da própria roupa, arrumar o quarto, levar o prato para a cozinha. Também há uma escala para a faxina dos ambientes comuns da casa – cada pessoa limpa um cômodo.
O casal faz as compras do mês e uma funcionária cozinha durante a semana. No fim de semana e nas férias, todos participam do preparo das comidas.
Nas tarefas diárias, os mais velhos ajudam os mais novos, ensinando, por exemplo, como amarrar o tênis e arrumar a lancheira da escola.
“Fraternidade é a palavra. É um ajudando sempre ao outro, estando sempre disponível. A casa é o laboratório para o futuro, a vida”, resume a mãe.
Muita gente pode se perguntar também como Joana e Olavo fazem para arcar com os custos da criação de 22 filhos. Ela explica que tudo é pago com o dinheiro da aposentadoria que recebe como professora e da remuneração do marido, que presta consultoria em engenharia e é militar da reserva.
As crianças e adolescentes estudam em escolas públicas, mas fazem curso de idiomas pagos pelos pais ou oferecidos por voluntários. Gabriel e Camila – ambos adotados quando já tinham mais de 10 anos – passaram no vestibular da Universidade de Brasília.
“A gente vive com simplicidade. Em vez de comprar na butique, compra no armazém. Em vez de viajar, passa férias aqui. Mas todos têm o que precisam”, diz. “Os filhos quando vão crescendo vão se ocupando das suas vidas, trabalhando, investindo neles, em cursos, em trabalho. Financeiramente, o suporte é o pai e a mãe enquanto eles estiverem sem andar com os próprios pés.”
Joana e Olavo são exemplos raros, não apenas pelo número de filhos adotivos mas principalmente pelo fato de acolherem adolescentes.
No Brasil, oito em cada 10 interessados em adotar querem apenas bebês ou crianças de, no máximo, 5 anos. Mas 73,74% das crianças e adolescentes que buscam um novo lar têm entre 5 e 17 anos, segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção.
Joana diz que considera a experiência de adotar uma criança mais velha ou um adolescente especial, porque a aproximação acontece por decisão de ambas as partes, não apenas pela vontade dos pais.
“A adoção tardia é a oportunidade maior como pai e mãe, porque um escolhe ao outro, porque um não é obrigado ao outro. Quando se executa o processo de adoção e ele termina, é porque ambas as partes quiseram”, diz Joana.
É o que aconteceu quando ela adotou Tatiana e os quatro irmãos dela, há 12 anos. A jovem tinha 13 anos na época e diz que tinha “perdido as esperanças” de ter uma família.
“Eu sabia que as crianças menores é que tinham chance. Então, eu já estava me preparando para aprender tarefas domésticas, aprender a cozinhar, para ser empregada doméstica e conseguir me manter depois dos 18 anos”, conta.
Mas tudo mudou quando, num dia qualquer, ela avistou Joana chegando ao abrigo. “Quando eu vi minha mãe, quando eu olhei para ela, eu senti vontade de chegar, dar um pulo nela, abraçar bem forte e dizer: ‘você é minha mãe'”, conta.
Joana diz que, assim que conheceu a menina e os irmãos, sentiu que poderia amá-los como filhos. “Ela voltou com meu pai um tempo depois e eles disseram: ‘A gente quer muito que vocês sejam nossos filhos, mas claro que só se vocês quiserem nos ter como pais’. E a gente, ‘claro que sim!'”, diz Tatiane.
Segundo Joana, o processo de adoção tem momentos bastante difíceis e é importante procurar aconselhamento e ajuda dos psicólogos da Vara da Infância quando necessário.
“A primeira lição é que você não é perfeita. Você tem que se adequar à chegada deles. É difícil para eles como é difícil para nós. O primeiro mês não é simples. Eles ficam eufóricos, e você está tentando mostrar para eles a rotina da casa, o encaminhamento.”
Segundo ela, o amor dos filhos pelos pais e dos pais pelos filhos vai se fortalecendo com o convívio.
“É um crescimento humano e de amor. É uma oportunidade ímpar de conviver verdadeiramente com outro ser humano sem exigir que ele te ame. Você trabalha para construir essa convivência, essa ponte de amor”, diz.
Ao final da entrevista, quando é convidada a falar sobre o que os 22 filhos “do coração” representam para ela, as palavras parecem faltar. “Eu não consigo imaginar a minha vida sem os meus filhos. Para mim, felicidade é isso aqui.”
Fonte: G1