• ter. abr 23rd, 2024

Jovem do interior de SP troca festa de 15 anos por viagem humanitária a Angola

maio 4, 2018
Compartilhe Boas Notícias

Bianca Torres sugeriu a criação de uma biblioteca no assentamento de Lovua, na Angola. Após a aprovação da ONU, a jovem busca por doações de livros.

Sem vestido caro, comida chique de buffet ou um DJ da moda. A jovem Bianca Torres, de Jundiaí (SP), trocou a tão sonhada festa de debutante por uma viagem humanitária: oito dias em dois assentamentos para refugiados em Angola, na África.

A adolescente que completou 15 anos nesta quarta-feira (2) conta que a ideia da viagem surgiu na escola durante aulas de geopolítica. Bianca, que planejava a festa de 15 anos, estudou sobre os países africanos e se sensibilizou com a realidade dos refugiados.

“Eu vi que, em vários países, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita era mais ou menos 300 dólares e pensei :’como uma pessoa pode ter isso em um ano, sendo que eu ia gastar muito mais que isso em uma noite?’, não era justo.”

Com o apoio da mãe, Jessica Alvarez Castro, a jovem decidiu que doaria o dinheiro da festa para um lugar onde seria melhor utilizado.

Parte do dinheiro foi doado para duas Organizações não governamentais (ONGs) e a outra parte foi utilizada na viagem para a Angola.

Jessica disse que não acreditou quando a filha desistiu da comemoração de aniversário, mas ao perceber a determinação da filha, não hesitou em apoiar.

“Sem ela saber, eu entrei em contato com um amigo que trabalha na Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) na Angola e ele convidou ela para ir até lá.”

Assentamento para refugiados

Bianca e o pai, Demetrius Valdevino Torres, partiram para a Angola em novembro de 2017 sem certeza do que iriam encontrar nos assentamentos para refugiados mantidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Segundo Wellington Carneiro, trabalhador humanitário e advogado da Área de Proteção do Alto Comissariado para Refugiados da ONU, há diferenças entre assentamento e campo para refugiados.

No assentamento, os refugiados podem movimentar-se livremente, estabelecer pequenos negócios e recebem um lote de terra agricultável para que possam produzir alimentos ou produtos comercializáveis. Já o campo é uma instalação temporária de emergência, onde há tendas e distribuição de comida e água.

O assentamento de Lovua está localizado no município de Lovua, na província de Lunda Norte no Nordeste da Angola. Os refugiados que chegam à Lovua são da República Democrática do Congo.

Wellington explica que, no final de 2016, um conflito entre milícias e governo do Congo resultou em ataques a populações civis em vilarejos e cidades, com assassinatos em massa, estupros e mutilações. “Gerou um movimento de 3 milhões de deslocados internos e 35 mil refugiados para Angola”, ressalta.

Angola ainda atende cerca de 45 mil refugiados e solicitantes de refúgio de outras 20 nacionalidades em zonas urbanas, principalmente em Luanda e Viana.

Em oito dias, pai e filha acompanharam a rotina nos assentamentos de Kakanda e Lovua. Segundo o comissário, o local em Kakanda foi desativado em 2018 e as pessoas foram transferidas para Lovua, onde vivem cerca de 13 mil refugiados atualmente.

Ainda de acordo com o trabalhador humanitário, 58% dos refugiados no assentamento de Lovua são crianças com menos de 18 anos.

Por isso, Bianca levou livros infantis para ler para as crianças e percebeu a importância da leitura em ambientes vulneráveis.

“Quando as crianças viram os livros elas ficaram muito felizes, queriam tocar. Mas eram muitas delas e não dava para atender todo mundo”, comenta Bianca.

Demetrius explica que os congoleses precisam ser alfabetizados em português, a língua oficial da Angola. “Os congoleses falam dialeto africano e francês, então eles têm que ser alfabetizados, por isso ela levou os livros.”

‘Pessoas como eu’

A jovem conta que pôde aprender sobre a realidade das pessoas de uma forma além do que é passado na escola.

“Eu vi que são pessoas como eu. Vi crianças e adolescentes da minha idade que perderam a família e passaram por coisas que eu nem posso imaginar”, lamenta.

A adolescente deixou os livros na escola do campo para que os professores pudessem usar durante as aulas. Entretanto, a animação das crianças com os livros comoveu a jovem. “Nós conversamos sobre como seria legal se houvesse livros para as crianças e então surgiu a ideia da biblioteca”, explica Bianca.

1ª Biblioteca de Lovua

A ideia da jovem virou um projeto apresentado para a ONU e aprovado pela organização para se criar a primeira biblioteca no campo de refugiados de Lovua.

O trabalhador humanitário ainda explica que os estudantes congoleses fugiram de seus países em ano escolar, o que interrompe a educação das crianças. Uma ONG internacional colabora com a educação dos refugiados na Angola, mas ainda faltam recursos.

Os congoleses precisam de livros, revistas e outros materiais de leitura para que possam aprender a língua portuguesa e retomar os estudos.

“Assim, quando voltarem para seus países poderão ter títulos reconhecidos e educação revalidada. Por isso, a Bianca se dispôs a colaborar com o projeto no Brasil”, explica Wellington.

Cabe à Bianca arrecadar livros em português que serão enviados à Angola para contribuir na alfabetização dos refugiados. A ideia é construir um espaço de cultura para as pessoas que estão em busca de uma nova chance no país.

Segundo a família, não falta apoio para cumprir a missão. Vários amigos e conhecidos de Bianca já se sensibilizaram com a história e estão ajudando com a arrecadação.

“Às vezes, a gente acaba contaminando as pessoas para o bem e dissemina bastante a ideia de ajudar ao próximo”, comenta a mãe da jovem.

Todo tipo de livro é bem-vindo, dos infantis até os direcionados a adultos. Revistas e histórias em quadrinhos também são aceitas, pois o importante é dar acesso à cultura.

Os interessados em contribuir com o projeto podem levar doações no ponto de arrecadação, uma barbearia localizada na Vila Guarani, em Jundiaí.

De acordo com a jovem, outros lugares vão armazenar os livros até que seja feita a entrega ao país africano, por volta de agosto ou setembro deste ano.

Conquistas

Os pais da jovem não escondem o orgulho pela filha. Jessica explica que muitas mães têm orgulho natural pelos filhos, pois acompanham o crescimento, conquistas e desafios dos pequenos.

“Quando a ‘Bibi’ questionou como seria injusto sendo que tantas pessoas precisam de tão menos e se posicionou contra algo que é comum na idade dela, me encheu de orgulho por pensar no coletivo e não no indivíduo.”

Bianca ressalta ainda que pensa no que pretende seguir no futuro. Por enquanto, pensa em estudar direito para trabalhar com voluntariado.

“Eu aprendi que todos somos seres humanos independente das fronteiras que separam a gente.”

Fonte: G1

Loading