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Em 6 meses, projeto que oferece aulas grátis em praça de Botafogo salta de 1 para mais de 110 alunos

set 24, 2018
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Engenheiro hoje tem apoio de outros 5 professores voluntários. ‘Futuramente isso pode virar uma marola, e pode acontecer o que futuramente? Um tsunami na evolução da educação’, diz.

Há cerca de seis meses, o engenheiro Silvério da Silva Moron, de 63 anos, começou a dar aulas de graça, para apenas um aluno, na Praça Compositor Mauro Duarte, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. Em uma corrente do bem, hoje já atende mais de 110 pessoas por semana e ganhou reforço de outros cinco professores voluntários, participantes do projeto “Adote um aluno”.

A ideia começou para “evitar o desperdício de conhecimento”, conta Silvério. O engenheiro foi para a praça perto de sua casa e se disponibilizou a ajudar alunos a entender mais das disciplinas exatas, como matemática e física.

“Quando uma pessoa está determinada a ensinar e a outra está determinada a aprender, qualquer lugar é lugar”, diz o engenheiro.

O projeto é a realização de um sonho. Sua compensação, inicialmente, era na alegria de ver as pessoas aprenderem. Agora, com mais voluntários, a satisfação dobrou: fica ainda mais feliz de ver também a vontade de outros em querer ensinar.

“Eu comecei esse projeto no dia 12 de março, e 9 dias depois eu só tinha um aluno. Hoje nós estamos com 114 alunos e mais cinco professores. Então, isso aí para mim era só uma gotinha d’água, hoje nós somos 120 gotas d’água se somar os alunos e os professores”, lembra Silvério.

“Futuramente isso pode virar uma marola, e pode acontecer o que futuramente? Um tsunami na evolução da educação e eu acredito muito nisso”, completa o criador do projeto.

Alunos dos 10 aos 94 anos

As aulas de alfabetização, português, inglês, física, química e matemática são ministradas a céu a aberto, de segunda a sexta, a partir das 9h, de acordo com a disponibilidade dos voluntários. Para frequentar, não precisa ter dinheiro e também não há limites de idade. Desde crianças de 10 anos até a Dona Nilda, de 94 anos.

Morador da Tijuca, na Zona Norte, o engenheiro Carlos Drumond Costa, de 73 anos, também declarou seu amor pela matemática, tal qual Silvério. Já leciona a disciplina há anos, e conta que chegou a escrever um livro sobre a matéria.

“Sou engenheiro de formação, dei aula de matemática por muito tempo, tanto que escrevi esse livro que tem como título “Toda Matemática”. Adoro dar aula, principalmente de matemática. Tenho três filhos e três netos, e todos eles tiveram o prazer – ou o desprazer – de passar comigo aprendendo essa matéria”, brinca o engenheiro.

Sucesso nas redes sociais

No início do projeto, nos primeiros dias de Silvério na praça, uma moradora da região passou, fez uma foto e publicou nas redes. Em poucos dias, a foto foi compartilhada por mais de 50 mil pessoas. Foi aí que Carlos Drumond conheceu o projeto e decidiu participar.

“Quando alguém chega para mim e diz ‘Ah, agora eu entendi’, ganhei meu dia com isso. Essa é a motivação. É você ver que pode ajudar alguém a dar um passo a mais, considerando aquilo que você tem e que pode doar”, explica Drumond.

Volta a estudar após 30 anos

A estudante e depiladora Maria Domingas Souza de Moraes, de 55 anos, voltou à escola depois de mais de 30 anos. Ela conta que, no início, sentiu muita dificuldade e até chegou a pensar em desistir. Mas encontrou nas aulas da praça a esperança para continuar.

“Não fui aquela criança que estudou do jardim, que teve aquela formação de criança, entendeu? Comecei já adulta, então, uma adulta sem base. Eu precisava de apoio. Eu vim porque vi a reportagem e aí comecei a procurar, vim à caça, ? Encontrei o professor Silvério, expliquei a situação para ele e comecei. Ele me perguntou quantos dias eu queria vir e eu disse “todo dia”. Não sabia quanto tempo ele iria ficar, então tinha que aproveitar.”

A moradora da comunidade do Salgueiro, na Tijuca, acredita que o prazer dos professores em estarem ali ajuda a tornar as aulas melhores.

“É de graça e de qualidade. Vou deixar a oportunidade passar? Nunca. Quem vem aqui, vem porque quer, porque tem prazer, porque gosta. Ninguém está te impondo, então fica fácil. Ele chega aqui, ele está dando aula por prazer, ele quer fazer isso, ninguém está dependendo disso para sobreviver. Ele veio de livre e espontânea vontade ,e isso é legal”, conta, emocionada.

Um dos primeiros alunos do projeto, o estudante de engenharia de produção Rafael Nascimento, de 26 anos, também é um aluno assíduo do projeto. Morador de Copacabana, frequenta as aulas de segunda a sexta, e diz ter sentido rapidamente diferença na sua vida e nas suas notas na universidade.

“Eu estava com nota muito baixa, e os professores têm um tempo muito corrido na faculdade, não prestam um devido auxílio depois das aulas, a gente tem que correr muito atrás. Vi um post sobre ele na internet e decidi vir aqui de segunda a sexta, pegar o máximo de tempo possível aqui. Só quando chove muito que ele avisa que não dá, aí tenho que ficar em casa”, explica o estudante.

Do Rio para todo o país

Silvério sonha em levar a ideia para todos os cantos do Brasil. A meta é incentivar pessoas a transmitir conhecimento em outros bairros do Rio e até em outros estados do país.

“Quero ser motivador para que outras pessoas venham para a praça para fazer um trabalho similar a esse. Tenho convicção no compartilhamento de conhecimento”, diz o engenheiro.

“Já pensou uma pessoa de 60 anos guardar só para ela tudo que aprendeu na vida, não dividir aquilo? Olha o desperdício disso, e com a nossa educação tão baixa. Acredito que com a união dessas pessoas a gente vai melhorar muito a nossa educação”, completa Silvério.

A expansão do projeto para outros lugares é um objetivo importante também para a jornalista aposentada Heloisa Sefton, de 60 anos. Para ela, a aposentadoria veio como um presente para que pudesse se dedicar mais ao trabalho voluntário, e o projeto “Adote um aluno” foi a oportunidade certa para fazer o que gosta e ajudar as pessoas.

“Quando vi essa oportunidade de passar um pouquinho do que estudei, do que aprendi para alguém, falei: ‘É agora’. No dia seguinte eu já estava aqui com meu papelzinho, minha canetinha, sentei aqui na praça com a minha plaquinha e comecei”, contou Heloísa.

Moradora de Laranjeiras, a aposentada vai para Botafogo sempre que pode, e ajuda alunos com lições de alfabetização, português, inglês e matemática.

“Acho que se a gente tiver um projeto desse, pelo menos um em cada bairro, vai ajudar para caramba, ? A ideia é essa: que as pessoas tenham mais informação, mais educação, mais cultura, um pouquinho de cada para que a gente desenvolva esse país. Porque ele tem muito para melhorar”, argumenta Heloisa.

Engenheiro dá aulas na hora de almoço

As horas de almoço do engenheiro civil Antônio Carlos Macedo nunca mais foram as mesmas. Amigo de Silvério, o engenheiro contou que sempre apoiou a iniciativa e tinha vontade de poder contribuir, apesar de não ter muito tempo livre. O coração voluntário de Antônio Carlos falou mais alto, e o engenheiro resolveu usar seu intervalo de almoço, alguns dias da semana, para ensinar física, matemática e química nos bancos da praça.

“Eu trabalho ainda, fujo no meu horário de almoço. Dou uma fugida, falo uma hora, cinquenta minutos, e vou embora, pego o metrô e volto a trabalhar”, explicou Antônio Carlos.

Para o amante assumido dos cálculos e números, o conhecimento é um presente e um bem que deve ser compartilhado com todos.

“Acho que não custa nada eu não guardar meu conhecimento para mim. Então, sempre que posso, estou compartilhando com as pessoas o que é matemática, o que é física.

Fonte: G1

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