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Conheça as “Dibradoras”, as minas que deram um bico no machismo pelo amor ao futebol

jul 3, 2019
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De um lado, a convicção dos que nem suportam ouvir outra coisa que não seja drible. Na outra ponta, se acomodam os que, talvez de sacanagem, façam vista grossa e sem medo soltam o termo dibre.

Como melê ou altinho, carretilha ou chaleira, esta é uma equação impossível de se resolver. Aliás, será mesmo que a vale a pena? Agora, existe uma certeza, o trabalho das Dibradoras chegou para revolucionar este esporte tão resistente a mudanças.

Angélica Souza é uma publicitária palmeirense de 33 anos e atualmente trabalha em uma agência de marketing esportivo. Renata Mendonça, jornalista de 29 anos, é são-paulina e acumula passagens pela ESPN Brasil e BBC. Já Roberta Cardoso, a Nina, que também é jornalista, é a segunda são-paulina do grupo e aos 35 anos concentra suas forças na assessoria de imprensa.  

Este trio de mulheres paulistanas se reúne para falar e escrever sobre futebol. Com presença em todas as mídias, as Dibradoras estão transformando não só o esporte mais popular do mundo, mas tudo que lhe diz respeito, como a comunicação.

Por muito tempo (e ainda hoje) o jornalismo esportivo foi dominado por um único perfil. Ao ligar a TV, abrir ou jornal ou sintonizar o rádio o cenário que se via era de predominância de homens – invariavelmente brancos e de meia idade. A receita velha desembocava quase sempre em piadas machistas e/ou preconceituosas. Mas, como era ‘apenas futebol’ passava batido e as mesas redondas seguiam.

Você já parou pensar que o número de mulheres atuantes na imprensa esportiva é muito maior do que se imagina? Em entrevista ao Hypeness, as Dibradoras ressaltam que o grande problema sempre foi encontrar uma brecha para ocupar posições de destaque, como a de colunista, narradora ou analista.  Sendo assim, a plataforma ajuda a “romper uma barreira no jornalismo esportivo, dando voz às mulheres do esporte (a torcedora, a jogadora, a árbitra, a dirigente, a treinadora, a gestora, a jornalista, as narradoras e por aí vai)”.

O século 21 serviu para colocar o mundo em uma espécie de divã gigante e a descentralização da comunicação foi de grande valia. Nos dias atuais, a demanda pela multiplicidade de vozes é enorme e isso acaba pressionando, de forma positiva, uma mudança de postura das mídias dominantes. O que é sentido também no esporte. O resultado é a diversidade de profissionais que contribuem para o arrefecimento de opiniões e conceitos preconceituosos. O público, membros da imprensa, jogadores e profissionais envolvidos na modalidade têm a oportunidade de refletir sobre os efeitos nocivos de práticas tão naturalizadas. Todo mundo sai ganhando.

Pouco se fala sobre os feitos e sobre a história dessas mulheres. Queremos sempre mostrar que elas são capazes de atuar na área que preferirem e que enfrentam muita resistência e preconceito para atuar no esporte. A gente fica muito feliz quando conseguimos fazer um alerta sobre algum tipo de comportamento ou alguma fala machista que muitos repórteres/apresentadores acabam dizendo em suas coberturas. Nossos seguidores nos cobram esse tipo de posicionamento combativo e conscientizador e a gente tenta, de certa forma, mudar esse tom adotado por muitos. Às vezes acontece porque é um comportamento praticado há anos e naturalizado pela sociedade. Alguns não conseguem enxergar preconceito ou machismo porque por muito tempo, ninguém contestava.

Historicamente, a representação feminina na comunicação se deu na imprensa alternativa. Em artigo publicado no Grupo de Estudos Alterjor: Jornalismo Popular e Alternativo (ECA-USP), Eliza Bachega Casadei – Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes pela ECA-USP – aponta que as mulheres sempre participaram de forma ativa em veículos da imprensa alternativa, buscando espaços outros onde suas idéias pudessem entrar no jogo das disputas simbólicas”.

O peso dos setores alternativos e da tecnologia na democratização da comunicação pode ser sentido em uma retrospectiva de 30 anos. Na década de 1980 cerca de 36% das mulheres ocupavam estes quadros no país. Em 2006, segundo o Ministério do Trabalho, 52% das vagas de jornalistas eram preenchidas por mulheres.

“Acreditamos que a mídia alternativa vem crescendo muito por justamente oferecer novos caminhos para as pessoas que desejam se informar sobre os assuntos que mais lhe agradam. Dificilmente encontraríamos uma grande mídia feita por mulheres abordando somente a participação delas no esporte. As oportunidades para se informar cresceram, os meios de comunicação também cresceram e estão muito segmentados na internet. A TV hoje divide sua audiência com canais de Youtube, os jornais perderam espaço para os portais, a rádio também concorre com os podcasts e são todos veículos que podem ser acessados a qualquer momento do dia, está à disposição do leitor/ouvinte/espectador. Não é mais preciso ser refém de horários para consumir o tipo de notícia que deseja.

O Dibradoras é muito utilizado em trabalhos e pesquisas acadêmicas por conta da falta de informação sobre o tema. Pouco se sabe sobre o futebol feminino no Brasil, sobre as atletas, sobre a proibição que durou quase 40 anos em nosso país proibindo algumas práticas esportivas e etc. De certa forma, sentimos que estamos cumprindo o nosso papel”.

A comunicação contra o futebol gourmet

A tão falada variedade de pontos de vista faz do futebol um espaço mais democrático e contribui para a sua melhoria. Foi graças a mídia alternativa que o debate sobre gentrificação do estádios, por exemplo, ganhou fôlego.

Desde o anúncio lá em 2007 de que o Brasil seria sede pela segunda vez da Copa do Mundo da FIFA, os estádios se transformaram em arenas e as arquibancadas antes territórios dominados pelo povão ganharam cadeiras e regras. Evidentemente que muitos campos brasileiros precisavam de uma reforma, mas não estava no contrato que para isso pessoas mais pobres seriam excluídas do espetáculo e que ver um jogo em pé seria quase um crime.

“O futebol, hoje em dia, virou muito mais um negócio do que um lazer como era encarado em décadas passadas. O brasileiro vive em um país de terceiro mundo e quer seguir a mesma linha dos estrangeiros no quesito futebol. Aqui, o torcedor de clubes das novas arenas, foi obrigado a aceitar essa mudança no seu padrão de vida e muitos acreditaram que isso era uma boa saída, que a renda obtida em cada partida é mais importante do que o resultado final, que não tem problema perder sua essência e suas raízes no futebol, desde que eu tenha um assento mais confortável para sentar durante 90 minutos. Nos impuseram isso e muita gente comprou a ideia”, pontuam as Dibradoras.

O torcedor mais pobre acabou pagando o preço da modernização dos estádios de futebol e hoje, diante ingressos custando pelo menos 50 reais, são poucas as oportunidades de assistir aos jogos de seu time do coração.

“O futebol é patrimônio do Brasil e ele deve ser acessível para todo o tipo de gente, independente de condição financeira, de raça, de gênero, de religião. Infelizmente o futebol brasileiro mudou, muitas pessoas se afastaram de seus estádios por não conseguirem comprar ingressos com preços absurdos ou por não fazerem parte de um sistema de sócio torcedor que só te dá garantias e exclusividades sobre os demais torcedores mediante uma mensalidade. Demoliram o tradicional Maracanã para adaptá-lo ao padrão FIFA durante a Copa do Mundo e ninguém foi consultado. A população não teve voz para a opinar, a imprensa pouco falou e assim, o futebol vai mudando de cara.

Os jogos grandes – chamados clássicos – só podem acontecer na presença de torcida única, o estádio não é mais um local democrático e nos respondem que a medida é contra a violência. Em partes, isso até faz sentido, mas os Estados não conseguem garantir nossa segurança, os clubes não tomam medidas para conscientizarem seus torcedores, não há punições para os agressores identificados. Proibiram a presença da torcida rival, mas as brigas e mortes continuam acontecendo em torno dos estádios e encontros marcados pela internet. As autoridades sabem disso, mas nada fazem para mudar essa realidade”.

Mídia alternativa, jornalismo e feminismo no futebol, com estes atributos pólos de informação como as Dibradoras vão se proliferando e transformando a realidade deste esporte tão amado. Nada contra o debate, a questão aqui é dar voz pra todo mundo opinar.

A chegada das narrações femininas em 2018 (no canal por assinatura Fox Sports 2) mudou o conceito de muita gente que sequer tinha parado pra pensar na possibilidade de ter uma mulher narrando um jogo de futebol. A falta de costume e de familiaridade ainda faz com que muita gente se sinta incomodado ou diga que não gostou da novidade, mas grande parte das pessoas tem apoiado a nova possibilidade e aprovando a presença feminina na locução. É muito bacana poder vivenciar esse momento, essa conquista histórica das mulheres”.

Fonte: Hypeness

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